I
A vida normal de Karlshorst prosseguia nos últimos dias dos quentes dias de verão de 1946. Em tôdas as administrações e departamentos da A.M.S. via-se uma atividade febril. Na confusão do trabalho, os oficiais com ombreiras douradas esqueciam que Karlshorst era apenas uma ilha remota cercada de elemento estrangeiro e hostil, mas, quando chegava a ocasião de partir em gôzo de licença ou definitivamente para a pátria, tornavam-se conscientes do fato de que, muito além, no oriente, havia um vasto país cujos interêsses êles haviam sido chamados a defender, fora das fronteiras.
Cartas da União Soviética informavam a existência de uma sêca fora do comum, em tôda a Rússia Européia. Expressava-se, abertamente, o receio pelas colheitas. Os pequenos lotes e hortas que produziam para as grandes massas do povo, estavam morrendo ao sol. Todos fitavam ansiosamente o céu, temendo que uma fome ainda mais terrível do que a experimentada durante a guerra, os assaltasse. As cartas da pátria demonstravam desespêro e desesperança.
Um ano decorreu desde minha chegada a Berlim, para trabalhar na Administração Militar Soviética. Eu estava na eminência de obter licença, ao terminar o verão, podendo sacudir o pó de Berlim, dos pés, e descansar em casa, durante seis semanas.
Andrei Kovtum tirou licença, na mesma ocasião e ambos combinámos viajar juntos. Resolvemos parar em Moscou, um pouco, depois visitar a nossa cidade natal, no sul, e terminar as férias em algum lugar das costas do Mar Negro. Andrei insistiu em organizar a nossa licença de modo a gozá-la cercada de lembranças da nossa juventude.
Na estação Berlim Schlesische, Andrei, confiando no uniforme do M.V.D., foi até o comando militar, voltando, ràpidamente, com duas passagens de segunda classe. Sua previsão foi amplamente justificada, pois todos os vagões estavam super-lotados. A maioria dos viajantes levava um amontoado de bagagens, de maneira que se recusavam a separar dos pertences, não confiando nos carros de bagagens. Eu e Andrei levávamos duas malas cheias, na maioria, de presentes para parentes e conhecidos.
Nosso trem chegou a Brest, sem aventuras, embora os trens militares soviéticos, que corriam entre Berlim e Moscou, frequentemente fôssem atirados e mesmo atacados por nacionalistas poloneses que se escondiam nas florestas. A primeira inspeção de documentos e bagagens realizou-se em Brest, no pôsto de fronteira soviético, onde fomos transferidos para outro trem. Os guardas do M.V.D. preocupavam-se, principalmente, com uma revista completa nas bagagens dos militares desmobilizados, em busca de armas que oficiais e soldados pudessem estar levando para casa, como troféus.
Bem a nossa frente, um tenente da guarda fronteira examinava os documentos de um capitão, de licença.
– Por que não deixou a arma de serviço, Camarada Capitão? perguntou.
– Não recebi instruções para fazer isso, respondeu o capitão, com um encolher de ombros, aborrecido.
– Ao chegar ao lugar de destino, ao apresentar-se, deve entregar a pistola ao comando local, informou o tenente, devolvendo-lhe os documentos.
Andrei, sentado silenciosamente num banco da extremidade, não prestava atenção ao que se passava em volta, mergulhado nos pensamentos. Um passageiro aproximou-se, viu o uniforme de oficial do M. V.D., fingiu que se enganara e foi procurar outro banco em outro lugar. Mesmo na segunda classe, onde todos os passageiros possuem cartão do Partido, as pessoas preferiam manter distância respeitáveis dos membros do M.V.D. Ao anoitecer, Andrei despertou um pouco, pois não tinha pronunciado uma palavra, durante o tempo todo. Começámos a falar do passado. Gradativamente suas reminiscências voltaram-se para Halina. Eu escutava, surpreso. Era evidente que pensara nela o tempo todo, mas apenas agora falava francamente a seu respeito. O tempo e a distância haviam embotado um pouco os seus sentimentos, mas, agora, o seu coração incendiava-se, mais uma vez, com aquela mesma chama anterior.
A história das relações de antes da guerra, de Andrei com Halina, era um pouco fora do comum. Era ela uma jovem extraordinàriamente bela, com uma pura e exaltada qualidade na sua beleza. Acima de tudo, o caráter estava em perfeita harmonia com a aparência. Andrei adorava-a, mas, durante muito tempo, ela foi indiferente as suas atenções e não notou a sua devoção servil. Em seguida, sólida amizade desenvolveu-se entre os dois. Possivelmente o seu sacrifício e devoção conquistou-a ou talvez ela percebesse que o seu amor era diferente das atenções dos outros jovens.
Todos os conhecidos achavam estranha essa amizade, pois o contraste entre a figura angular dêle e a sua beleza. espiritual era muito óbvio. Ninguém podia imaginar o que os unia. Mais de uma vez suas amigas levavam-na a lágrimas, pois se aproveitavam de tôdas as oportunidades para apontar-lhe os defeitos de Andrei. Os companheiros seus felicitavam-no, francamente, pela "boa sorte não merecida". Mais de uma vez essas coisas levaram-nos a separar-se por algum tempo. Então, Andrei não tinha descanso. Caminhava como uma sombra, atrás dela, sem ousar aproximar-se, mas sem fôrças para afastar-se. Assim prosseguiram êles, sempre inseparáveis, até a guerra iniciar. A guerra fê-lo lutar com os guerrilheiros e canalizou suas emoções indomináveis em outra direção. A cidade onde ela morava, logo foi dominada pelas tropas alemãs e êles perderam o contacto um do outro.
Sempre estamos lutando por alguma coisa, disse êle, agora, abruptamente. Lutamos pelo poder, pela fama, pela distinção. Mas tudo isso está fora de nós. E quando chega a um certo ponto, a gente percebe que, o tempo todo, a gente esteve fora de si mesmo. E então a gente pergunta: que você ganhou com isso?
Tenho uma sensação estranha. Pondo tudo de lado e pensando apenas em mim, tenho a impressão de que tudo que fiz, na luta para subir cada vez mais, foi por causa de Halina. Agora porei êste uniforme e estas condecorações a seus pés.
Correndo os olhos pelo uniforme bem recortado, limpou um grão de poeira da calça azul e continuou, sonhadoramente:
– Agora Halina diplomou-se em engenharia e está morando em Moscou, tem feito trabalhos dignos e possui uma casa confortável. E que mais pode conseguir uma mulher hoje em dia? E agora, para completar tudo, um major da Segurança do Estado se tornará seu guarda e defensor do seu bem estar. Não acha que é uma conclusão lógica? E agora, meu velho amigo, espero que a vida me pague, com juros, tudo.
Batendo com a mão, no meu joelho, levantou-se e olhou através da vidraça, para dentro da escuridão, como se espe rasse discernir o destino que o aguardava.
O trem chegou em Moscou.
No dia seguinte era sábado e resolvemos descobrir onde Halina morava e visitá-la. Através das cartas de conhecidos, soubera que ela estava trabalhando, como engenheiro, numa das fábricas de Moscou, mas, quando Andrei telefonou a administração da fábrica informou que ela não mais trabalhava ali, recusando-se a dar outras informações. Investigando no Departamento de Endereços, ficámos surpresos ao darem-nos um enderêço num dos subúrbios, distante uma hora de trem elétrico.
O sol estava descanbando por detrás da floresta de pinheiros, quando eu e Andrei batemos à porta de uma pequena casa de madeira, num acampamento de verão, não distante da estrada de ferro. Uma mulher idosa, negligentemente vestida, abriu a porta e após lançar-nos um olhar inamistoso, escutou-nos em silêncio, e, silenciosamente indicou-nos uma escada que ia ter ao primeiro andar. Andrei deixou-me ir à frente, de modo que não pude ver-lhe o rosto, mas o ruido das passadas e a maneira pela qual se apoiava no corrimão, que balançava, da escada, eu podia dizer o quanto lhe significava êsse encontro.
No saguão, roupas íntimas estavam estendidas, a secar. Panelas sujas e trapos estragados enchiam o parapeito da janela. Uma porta de tábuas, presas por dobradiças enferrujadas, tinha pedaços de pano de lã tapando as frestas entre as tábuas. Com irresolução peguei a maçaneta e bati.
Ouvimos passadas leves. A porta girou nas dobradiças e arrastou-se pelo soalho, enquento se abria vagarosamente, para revelar uma mulher, vestida simplesmente, de sapatos velhos metidos nos pés sem meias. Ela olhou, interrogativamente, pelo saguão mal iluminado e, ao ver homens em uniforme, o espanto nos seus olhos transformou-se em pavor.
– Halina! chamou Andrei em voz baixa.
O rosto da jovem enrubeceu e ela afastou-se:
– Andrei evitava olhar ao derredor, tentando não ver a mobília miserável do quarto meio vazio; tentando ignorar a roupa velha e os sapatos gastos. Apenas via os traços familiares da mulher que amava. Todo o mundo estava perdido no esquecimento, diluido sob os ardentes olhos fixos nêle.
Quantas vêzes êle não sonhara com os seus olhos! E agora êsses olhos vagarosamente o examinavam da cabeça aos pés, detendo-se nas ombreiras douradas,de bordas azuis, na estrêla que indicava o pôsto de major, na faixa côr de framboesa do quépi. Os olhos pousaram na insignia do M.V.D. na sua manga e depois fitou-lhe o rosto.
– Halina! repetiu êle, como se um sonho, estendendo-lhe ambas as mãos.
– Gregório, faça o favor de fechar a porta! disse-me ela, como se não tivesse visto, Andrei, nem ouvido sua voz.
Sua voz era fria, os olhos apagados, os traços determinados. Evitando os olhos de Andrei, sem dizer uma palavra, foi até à janela na outra extremidade do quarto e abriu-a.
– Halina! Que aconteceu? perguntou êle, ansioso. Como é que está morando aqui... nessas condições?
– Talvez seja melhor você contar sua história, primeiro, respondeu ela, parecendo estar-lhe sendo uma tortura a nossa visita.
– Halina! Que aconteceu com você? perguntou êle, de novo, alarmado.
Fêz-se um longo silêncio para depois ela dar-nos as costas, dizendo numa voz quase inaudível, enquanto olhava pela janela:
– Fui despedida... e exilada de Moscou.
– Por que?
– Sou inimiga do povo, explicou mansamente.
– Mas por que?
Outro silêncio. Em seguida, como um ruido do vento fora da janela:
– Por que eu amava meu filho...
– Casou-se? perguntou Andrei, revelando na voz o desespêro de um homem que acabou de ouvir a sentença de morte.
– Não, foi a resposta calma.
– Então... então não é assim tão mau, Halina.
O mêdo da voz aparentava agora uma nota de alívio.
Fêz-se silêncio, de novo, perturbado apenas pela respira ção forte de Andrei.
– Veja isso! disse ela, indicando um pequeno retrato na mesa.
Andrei acompanhou a direção. Do porta-retrato simples, de madeira, um homem em uniforme de oficial alemão sorriu ao major do Serviço de Segurança do Estado.
– Foi o pai do meu filho, explicou, ainda da janela.
– Halina... Não estou compreendendo... Diga-me o que aconteceu, suplicou Andrei, caindo, desalentadamente, numa cadeira, o corpo todo a tremer.
– Apaixonei-me por êle quando nossa cidade foi ocupada pelos alemães, respondeu ela, afastando-se de nós, outra vez.
Quando os alemães se retiraram, escondi a criança. Alguém denunciou-me. E, naturalmente, você sabe o resto...
– Mas onde está a criança? indagou Andrei.
– Foi-me tirada, respondeu ela, a voz entrecortada pelos soluços.
– Quem a tirou de você? quis êle saber, com voz amea çadora.
– Quem? repetiu ela. Homens com o mesmo uniforme que você usa.
Seu rosto voltou-se para nós e pudemos ver que nada mais tinha de comum com a face da jovem gentil e amável que havíamos conhecido nos dias passados. Diante de nós estava uma mulher demonstrando toda a nudez da sua dôr.
– E agora peço-lhe que saia da minha casa, falou ela, fixando a figura imóvel de Andrei, que, sentado com os ombros caídos como que sob enorme pêso, olhava o assoalho, as costas arcadas, os olhos sem expressão, o corpo inerte.
Pela janela, o sol estava ficando côr de laranja. Os ramos dos pinheiros empoeirados balouçavam silenciosamente. O sol iluminava o cabelo em desalinho da mulher, junto à janela, acariciando a cabeça orgulhosa, os contornos delicados do pescoço, os ombros frágeis ocultos sob o vestido velho. A luz deixava na penumbra tôda a mobília miserável do quarto semi-vazio e todos os sinais e indícios da necessidade humana. À janela estava uma mulher, agora mais distante do que nunca, e, no entanto, nunca mais desejada. Numa cadeira do meio do quarto, jazia um cadáver ambulante.
– Halina... Vou tentar... murmurou fracamente, incerto do que poderia fazer, logo se calando.
– Não temos mais assunto a conversar, respondeu ela, firme e calmamente.
Êle ergueu-se, olhou em tôrno, desesperançado, murmurou algo, estendeu a mão como que pedindo algo, ou talvez dizendo adeus. Ela olhou a distância, sem notar o seu gesto. Fêz-se novo silêncio.
Saí do quarto como que da presença da morte. Andrei seguiu-me e, enquanto descia a escada, apoiava-se na parede como um cego. O rosto estava lívido, as palavras saiam-lhe incoerentes dos lábios. Nossos passos soavam cavamente nos degraus da escada que estalava.
No trem, pôs-se a olhar, com uma expressão vítrea, pela janela, permanecendo, obstinadamente calado. Tentei distraí-lo, conversando, mas êle não me escutava, nem demonstrava interêsse pela minha pessoa.
Quando nos dirigíamos à estação do Metrô de Moscou, quebrou o silêncio, perguntando:
– Para onde vai?
Percebi que desejava ver-se livre de mim, de modo algum, poderia abandoná-lo, nessa emergência.
Voltámos ao hotel. O resto da noite segui-o como uma sombra. Assim que êle saíu do quarto, por alguns instantes, descarreguei nossasa pistolas, que estavam numa gaveta da mesa. Não quis comer nada e foi deitar-se cedo. Mas não podia dormir e virava de um lado para outro, inquieto; queria fugir desta vida, pelo menos no sono, para libertar-se do tormento, mas não podia.
– Andrei, acho que é melhor você ir para casa, amanhã, aconselhei.
– Não tenho casa, veio a resposta, depois de certo tempo.
– Então vá ver sua família, insisti.
– Não tenho família, respondeu sua voz grossa.
– Seu pai...
– Meu pai deserdou-me.
O pai de Andrei era um homem da escola antiga, rijo como carvalho e tão obstinado como um burro. Quando chegaram os anos da coletivização, o velho cossaco preferia abandonar a terra natal e ir viver na cidade, em vez de pertencer a uma fazenda coletiva. Na cidade, tornou-se artesão. Nenhuma medida drástica, nem impostos puderam forçá-lo a fazer parte da cooperativa dos artesãos.
– Nasci livre e morrerei livre! era sua resposta.
Havia dedicado tôdas as suas fôrças para educar o filho, na esperança que o rapaz fôsse-lhe um confôrto, na velhice, mas, ao saber que Andrei se passara ao inimigo, deserdou-o.
A noite inteira Andrei agitou-se e mexeu-se na cama. A noite inteira fiquei deitado, na escuridão, sem fechar os olhos, lutando para não dormir. As horas passaram. As estrêlas rubras das tôrres do Cremlin brilhavam pela janela aberta. Quando o céu empalideceu e o primeiro raio de luz, entrou, fracamente, pelo quarto, vi que Andrei ainda estava desperto. Havia enterrado o rosto no travesseiro, os braços pendidos, inúteis, nos lados da cama. No silêncio, percebi palavras que The saiam, estranhamente, dos lábios, palavras que me fizeram recordar o tempo da meninice, há muito e muito tempo. Era um murmúrio apaixonado:
– Senhor, inclinai vossos ouvidos e escutai minhas preces, pois sou miserável e fraco.
Pela primeira vez, aquela noite, cerrei os olhos. Eu não atrapalharia um homem que estava nos confins dêste mundo. Novamente, na madrugada calma, ouvi um murmúrio, nada terrestre, as palavras de uma prece há muito esquecida:
– Senhor, perdoai vosso escravo pecador...
Na outra extremidade do rio, o relógio do Cremlin soou em resposta.
II
Passei os dias seguintes visitando meus numerosos amigos em Moscou bem como conhecidos. Em todos os lugares era bombardeado por uma série de perguntas sôbre a vida na Alemanha. Embora a Alemanha ocupada não mais fôsse "estranha", no sentido cabal da palavra, e muitos russos já tivessem visto o país, com os próprios olhos, não havia como evitar o interêsse mórbido, demonstrado pelos russos, pelo mundo além das suas fronteiras. Esse interêsse e as idéias exageradamente róseas da vida no exterior eram uma reação do completo isolamento da Rússia Soviética. Além disso, os russos têm um traço que raramente é encontrado nos outros povos estão constantemente em busca do lado bom dos dos vizinhos do mundo. Os alemães costumavam considerar isso como prova da maneira primitiva de pensar do Oriente.
Depois de satisfazer meus amigos, no limite do possível, eu passava a perguntar-lhes sôbre a vida em Moscou, mas, embora estivesse sempre dispostos a ouvir minhas narrativas da vida na Alemanha, mostravam-se esquivos em responder minhas questões sôbre Moscou. A vida, de modo geral, era sem alegria. Todos esperavam que as condições melhorassem depois da guerra, mas agora havia sinais de fome. Além disso, os jornais de novo falavam histèricamente de um novo perigo de guerra.
Quando meus amigos ouviam que, em Berlim, nós tínhamos o hábito de conversar com americanos e até mesmo estender-lhes a mão, olhavam-me como se fôsse um fantasma, sem saber que comentários fazer. Embora tivesse havido um considerável esfriamento nas relações entre os aliados, durante os primeiros doze mêses depois da guerra, o simples fato de vivermos na mesma cidade mitigava, até certo ponto, a tensão crescente nas relações oficiais. Mas em Moscou, a atitude unilateral e persistente da imprensa e da propaganda levava o povo, a despeito das próprias convicções pessoais, a pensar que os americanos eram canibais. O veneno da propaganda estaava produzindo efeito.
Uma noite, como de costume, quando fui ver Genia, encontrei a família inteira preparando-se para uma viagem. Anna Petrovna explicou que, no dia seguinte, iam visitar os pais de Nikolai Sergeivich, que morava numa vila entre Moscou e Yaroslavl, convidando-me, em nome do marido a ir com êles. Eu já sabia que os pais dêle eram simples camponeses e que, a despeito das tentativas do filho em persuadi-los, haviam recusado a mudar para Moscou, preferindo continuar na terra e viver como camponeses.
Prontamente aceitei o convite, embora Genia demonstrasse desagrado, sem comentar, entretanto. Eu já observara que ela não gostava de visitar os avós, assim fazendo só para satisfazer a vontade paterna. Havia crescido no meio de Moscou e era completamente estranha às suas origens campesianas.
De madrugada, Nikolai Sergeivich, Anna Petrovna, Genia e eu nos dirigimos para fora de Moscou, na limousine do general. Atravessámos os subúrbios com suas fábricas e casas pequenas e mergulhámos na floresta que cercava a cidade. Lá pelo meio dia, depois delonga viagem por estradas secundárias, aproximámos do ponto de destino. Sacudindo-se nos buracos, o carro entrou na rua da vila, onde silêncio mortal reinava, não existindo nenhum sinal de vida, nem mesmo se ouvindo animais domésticos, galinhas ou até cachorro. A aldeia parecia ter sido abandonada pelos moradores.
O carro parou junto de uma casa logo à entrada e o general, com um gemido, saíu, esticando as pernas depois da longa viagem. Anna Petrovna apanhou suas coisas e eu e Genia esperámos que êles avançassem. No casebre não havia sinal de vida. Ninguém veio receber-nos. Finalmente, o general subiu os degraus da entrada e abriu a porta destravada e nós entramos num vestíbulo que cheirava mal. O general abriu a porta da sala, sem bater. No meio da sala, uma menina, de oito anos, mais ou menos, de pés descalços e de cabelo liso, estava sentada no soalho, balançando um bêrço dependurado no telhado, cantando desabridamente. Ao ver-nos, parou, olhando-nos espantada, um pouco alarmada, mas sem erguer-se.
– Bom dia, menina, disse-lhe o general. Perdeu a língua.
Na sua confusão, ela apenas meteu o dedo na bôca.
– Onde está o pessoal? perguntou de novo Nikolai Sergeivich.
– Foram trabalhar, respondeu a menina.
Nêsse momento, ouvimos barulho atrás de nós e um par de pernas, dentro de botas de feltro, gastasa, começaram a agitar-se no enorme fogão russo que enchia quase que a sala tôda. Da prateleira veio uma tosse abafada e um gemido, para depois surgir uma cabeça grisalha e em desalinho, por detrás de uma cortina de pano.
– Ah!... É você, Nikolai, disse uma voz rouca e idosa. Então veio de novo!
Era o pai do general cujo rosto não mostrava o menor de prazer pela visita do filho.
– Quem mais poderia ser? trovejou o general, com alegria forçada, enquanto o velho descia do fogão. Trouxe-lhe uma coisa para você, Sergei Vassilievich. Uma coisa para a dôr nas pernas. Tenho a certeza de que não recusará uma garrafa de vodka.
– Gostaria mais que fôsse pão em vez de vodka, gruniu o velho.
– Marusia, corra até o diretor da fazenda coletiva, disse o general à menina, e diga-lhe para dispensad nossa gente hoje. Diga-lhe que o general chegou.
– O general... o general... resmungou o velhinho, por entre a barba, colocando a mão afetuosamente na cabeça de Genia. Você está bem disposta, minha mariposa. Então não se esqueceu do avô, nessa Moscou sua?
Fui até o carro buscar os embrulhos e pacotes de presentes que havíamos traazido. Um após outro, o resto da família foi chegando, todos os numerosos parentes do general e filhos adultos. Todos pareciam embaraçados, não demonstrando satisfação pela presença dos visitantes. O último a entrar foi um homem que fôra ferido na guerra, agora andando apoiado num bastão. Era o primo do general e dispenseiro da fazenda coletiva.
– Ponha a mesa, Serafima. Vamos almoçar agora, com. 249
Como era hábito no campo, o mais velho da família dava ordens e o avô acenou a uma das mulheres, dizendo: os convidados.
Em seguida, voltando-se para o filho, comentou:
– Acho que não come batata há muito tempo, Nikolai. Pois agora vai comer. Como não temos pão, temos comido batata.
– Que acnteceu com o trigo? quis saber Nikolai. Ainda não recebeu nada da fazenda coletiva?
– Recebi nada... resmungou o velho. A fazenda coletiva entregou tudo, até o último grão, ao Estado e ainda está devendo. Não conseguimos realizar o plano de produção. No momento, nos arranjamos com batatas, mas quando o inverno chegar... não sabemos que haveremos de comer.
– Bem, não se preocupe, confortou-o o general. Trouxemos pão conosco.
– Ah! Nikolai, Nikolai! Se não fôsse meu filho eu lhe mostraria a porta. Trouxe pão para mofar de nós, matutos do interior, não foi? Você conhece o costume: o dono deve receber os hóspedes. Você comerá o que comermos. E nada de discussões! Não torça o nariz para nossa comida.
Com um gesto largo, convidou todos a sentar-se à mesa, na qual Serafima havia colocado um grande caldeirão de sopa de beterraba. Em seguida ela colocou um caldeirão de batatas cosidas na casca e pôs pratos de argila e colheres de pau para servir-nos. O general foi o primeiro a sentar-se. Era o mais falante de todos e tentava mostrar que estaava perfeitamente à vontade na casa onde nascera. Enquanto descascava as batatas, brincando, estendendo prontamente o prato, quando Serafima foi enchê-lo de sopa de beterraba que, aparentemente, fôra feita sem carne ou gordura. Durante certo tempo, apenas se ouviu o barulho das colheres.
– Que é um almoço sem vodka? exclamou, por fim, Nikolai, erguendo-se e indo buscar seus embrulhos. Vamos passar um copo em volta e depois nos sentiremos mais alegres.
Todos os homens da casa prontamente aceitaram o convite e a garrafa logo se esvasiou. Passou-se um segundo. A comida camponesa foi retirada da mesa e o general, de novo, recorreu aos embrulhos, enchendo a mesa com latas de conservas com rótulos em tôdas as línguas da Europa. O pai observava-o taciturno, tentando mesmo protestar, mas, em seguida, resolveu fazer as pazes e, fitando os rótulos estranhos, limitou-se a comentar:
– Você andou fazendo uma catança...
O vodka já estava fazendo efeito e todos soltavam as línguas.
– Bem, Nikolai, diga-nos uma coisa. Falam em nova guerra, perguntou o velho, um pouco mais amável depois de alguns copos de bebida.
– Estamos muito longe de uma guerra, agora, mas sempre devemos estar prontos para surpresas, replicou o general. Ganhámos a guerra e devemos ganhar a paz, acrescentou, com certa importância.
– Que espécie de mundo?* indagou o pai, entrefechando os olhos, com esperteza. A mesma história de sempre... "proletários de todos os países, uni-vos"?
* A palavra russa "mir" tem dois significados: "paz" e "mundo". O velho, deliberadamente, alterou a observação do filho.
– Claro que não devemos esquecer os proletários dos outros países, disse o general, embaraçado, ciente da inaptidão da sua observação. Solidariedade proletária, ajuntou, evitando os olhos do progenitor.
– Naturalmente, naturalmente... Minha barriga diz-me todos os dias que somos proletários. Mas quanto à solidariedade! Quer dizer que os outros deverão passar fome conosco? É isso?
– Bebamos outro gole, Sergei Vassilievich, propôs o filho, compreendendo que não não adiantava discutir com êle e enchendo o copo, de novo.
– Diga-me apenas uma coisa, Nikolai, prosseguiu o pai, na ofensiva. Não falo de têrmos derramado sangue e passado fome durante a guerra. Graças a Deus terminou ela desta forma, mas diga-me se os soldados queriam lutar no comêço, ou não queriam. Você deve saber a resposta, pois é general.
O general fitou o prato, silenciosamente.
– Não há nada a dizer, grasnou o velho. Os soldados não queriam lutar. E você sabe muito bem por que. Porque já estavam enjoados dessa cantiga. Não se pode encher o estômago com cantigas.
– Mas, de qualquer jeito, ganhámos a guerra, disse o general, em defesa própria.
– Nikolai, sou seu pai e não precisa mentir-me. Esqueceu-se do que nos prometeram durante a guerra? por que as igrejas foram reabertas? Por que você recebeu essas ombreiras? Por que recebeu condecorações czaristas? Você se esconde atrás do povo russo! Prometeram-nos terra e liberdade. É por isso que lutámos! E onde está tudo isso?
Nêsse ponto o velho homem bateu na mesa, com os punhos cerrados, fazendo os copos tintilar.
– Onde está tudo isso? gritou de novo, apontando, furiosamente, com um dedo magro as cascas de batatas espalhadas pela mesa.
– Não s epode ter tudo de uma só vez, protestou fracamente o general.
– Que quer dizer com isso? Não se pode ter tudo de uma só vez! explodiu o velho, como um barril de pólvira. Quer dizer que ainda será pior?
– Oh! não... Mas quando foi destruido, não pode ser restaurado imediatamente, falou o general, recuando.
– Ah! isso é uma história diferente. Mas você começou, com a velha cantiga "Solidariedade! Proletários!" Conhecemos isso de cor. Até sabemos de trás para diante.
O general não falou mais, pondo-se a mastigar, apàticamente, uma crosta de pão. O velho não podia dominar seu nervosismo. Com a mão trêmula tentou servir-se um copo de vodka, mas derrubou tudo. Enxugando a bôca com as costas da mão, olhou em tôrno para ver se alguém se lhe opunha, mas todos estavam sentados, indiferentes, olhando os pratos vazios.
– Não me conte histórias de fada, Nikolai, disse o velhinho, decisivamente, com olhar desafiador. Sei o que andou fazendo. Pensa que não sei que, nos últimos vinte anos, andou pelo mundo com uma tocha flamejante? Pensa que não sei onde arranjou tôdas essas bugigangas? insistiu, apontando para as condecorações no peito do filho. Quando você estava nêsse bêrço, não somente tínhamos pão em casa, mas tínhamos tudo em abundância. Agora você é um general, mas a criança dêsse bêrço chora de fome. Que aconteceu a sua consciência? Responda-me! Trocou suas consciências por essas bugigangas?
– Vovô, onde posso encontrar um cesto? perguntou Genia, que estivera sentada, silenciosamente, perto do pai e erguendo-se da mesa para sair.
– Já está farta, mariposa? perguntou o avô, olhando-a. Vá buscar cogumelos na floresta para fazer um prato de cogumelos e batatas no jantar.
Genia esperou na porta, com um cesto no braço e fêz-me sinal para acompanhá-la. Quando eu saía da sala, ouvi o velho dizer:
– Digo-lhe, Nikolai que não quero ouvir mais falar em proletários, somos nós, e ninguém mais. Se alguém deve ser libertado, somos nós. Compreendeu? Ponha isso no cachimbo e fume-o.
Genia e eu abandonámos a aldeia. A floresta começava logo ao terminar a última casa. O céu estava tinto de cinza e o ar, claro e outonal, invadido pelo olor das fôlhas podres e humidade. Genia pôs um lenço na cabeça, prendendo-os sob o queixo. Tirando os sapatos altos, colocou-os no cesto, seguindo em frente, sem dizer uma palavra, pisando, cuidadosamente, com os dedos nus na relva. Eu seguia-a, os olhos deleitados pela figura gentil. Cada vez nos metíamos na floresta e, afinal, chegámos a uma clareira cheia de troncos musgosos de árvores caídas; em tôrno havia morangos silvestres, sogumelos e relva.
– Para que papai vem aqui? perguntou Genia, rompendo o silêncio, enquanto caminhava, sem destino, de cabeça baixa, fitando o solo. Vovô sempre se porta assim e papai parece gostar disso.
– Talvez goste de ver a diferença entre o que era e o que é agora, sugeri.
– Já me cansei dessa comédia, há muito tempo! prosseguiu ela. E esta vez foi mais desagradável porque a presenciou.
– Genia, chamei baixinho.
Ela voltou-se tão rápida e prontamente que parecia estar aguardando o chamado, os olhos castanhos fixos em mim, em expectativa.
– Genia, a que comédia se refere? perguntei, sentindo uma desagradável suspeita surgir no cérebro.
Ela ficou embaraçada, perturbada pelo tom da minha voz e eu segurei-lhe as mãos, fazendo-a apoiar-se num tronco musgoso e grande, da altura de sua cabeça. Humildemente ela ficou onde a coloquei.
– Você não vê, por si mesmo? disse ela, tentando evitar a pergunta.
– Mas não é a própria comédia que a perturba? perguntei, fitaudo-lhe os olhos e vendo que ela esperava, temendo, minha pergunta. Quem você acha que é o codiante?
– Eu... não sei, Grisha...
– Genia, qual dêles você acha que é o comediante? repeti duramente.
– Sinto muito por vovô, murmurou, baixando os olhos, e pude ver que essa conversa a torturava. Mas tudo isso é tão tôlo... acrescentou, como que se desculpando.
– Então acha que o comediante é seu avô? insisti.
– Não. Mas...
Seus olhos encheram-se de lágrimas. Senti um alívio enorme, de mistura com uma ternura generosa. Segurei-lhe a cabeça entre as mãos e beijei-lhe os lábios. Não tinha o desejo de continuar nessa tortura, forçando-a a comprometer o próprio pai. Não havia mais necessidade de dizer mais.
– Sabe de uma coisa, Genia? disse eu, enquanto brincava com um cachode seus cabelos. Sou-lhe muito grato nêste instante.
– Por que? perguntou ela, surpresa.
– Tinha receio por você. Tinha receio que você dissesse alguma coisa...
De fato, sinto pena de seu avô, acrescentei, pensativamente. Antes da guerra, cada um vivia no seu próprio ninho, e cada um vivia conforme sua capacidade. Durante a guerra, tudo se transformou, todos foram ameaçados e todos se tornaram iguais na presença da morte. Nêsses dias de sangue e de maldade, recebi tanto benefício de pessoas que não conhecia, de pessoas simples como seu avô. A guerra irmanou-nos numa irmandade de sangue. Agora tenho pena dessa gente.
Uma faixa cinzenta atravessou océu. O cheiro do mato virgem erguia por entre a terra. Uma ave esvoaçou, por algum momento, e depois desapareceu no horizonte.
– Eu e você estamos em cima, prossegui, baixinho. Não devemos esquecer isso. O fato de estarmos em cima e continuarmos assim somente faz sentido sem não nos esquecermos disso. Acho que seu pai se esqueceu. E eu também receei que você também tivesse...
Uma brisa fresca perpassou pela clareira. Olhei os pés nus de Genia, o lenço de camponesa, o cesto ao seu lado. Nas mãos segurava ela um ramo de amoras que ela quebrara ao passar.
– Eu ficaria tremendamente feliz se você fôsse apenas a neta do seu avô e vivesse naquela cabana, falei.
Êle se aproximou de mim, como se tivesse frio.
– Pois então, eu saberei que você me pertence, murmurei-lhe ao ouvido. Sempre penso nos primeiros dias em que nos conhecemos. Quando você era apenas Genia, uma garota deliciosa que era amigo de um soldado. Lembra-se quando bati a sua porta, de volta da frente de batalha, metido num imundo capote de soldado? Eu sempre senti orgulho de você... Uma mulherzinha de um soldado...
– Grisha, fale-me com franqueza, interrompeu ela, e, ao inclinar-se no tronco musgoso, parecia um pouco aquela jovem descuidada e atrevida que eu conhecera. Você voltou de Berlim completamente mudado... Fala tão pouco... Sinto que algo o preocupa. Que é? acrescentou, com seriedade na voz.
– Genia, é por que lamento que nossa amizade nunca será mais do que isto...
– Que está impedindo?
– Quando conheci seu pai, tinha orgulho dêle. Naquele tempo pensava nêle como um evemplo a ser imitado...
– E agora? perguntou-me ela, com um olhar estranho.
Não respondi imediatamente, pois não podia dizer aquilo que sentia, em palavras.
– Que você devia abandonar a vida que leva agora e pertencer apenas a mim... Não posso insistir que você o faça, falei baixinho. Mas se você deve incluir-me na sua vida, isso seria o fim de todos nós.
– Então meu pai está no caminho? disse ela com estranha calma.
As palavras vieram como uma resposta aos meus próprios pensamentos. Continuei calado, acariciando-lhe os ombros. As fôlhas dos vidoeiros agitavam-se brandamente. O céu nublado estava silencioso. Formigas passeavam, sem destino, pelo tronco de árvore.
– Não tenha receio, Grisha. Eu mesmo cheguei a mesma conclusão, falou ela, a voz traindo cansaço. Há apenas uma coisa que quero dizer: não é meu pai que permanece entre nós. O que surgiu entre nós é algo que há muito existe entre mim e papai. Sou apenas uma mulher e uma filha, mas eu sinto isso de maneira diferente.
Por alguns instantes ela permaneceu calada e depois continuou:
– Já lhe disse uma vez que sou órfã...
Ela ergueu a rama de amoreira até o rosto, acariciando o rosto com as frutinhas. O outono enchia o ar de frescura. Nós nos calámos no meio da clareira, esquecendo o motivo que nos levará até lá.
– Então você já resolveu? perguntou ela, afinal.
Apenas encolhi os ombros, com impotência.
– Mas suponhamos que eu deixe tudo e vá ter com você em Berlim.
– Minha posição não é segura. Não posso arriscar o seu futuro...
Ela novamente brincou com a rama, os olhos fixos além dos meus ombros, perdidos na distância.
– Nunca me esquecerei de você, querida, comecei, sem ter muita certeza de estar a consolar-me ao a ela.
Meu coração batia mais uma vez com aquela dôr da partida de um soldado, com a mesma tristeza e ternura dos tempos passados. Mas agora o corpo da moça não tremia, nem me acariciava como no passado. Estava inerte e frio.
– Não fique zangada comigo, implorei. Também me é muito difícil. Muito.
Ela ergueu a cabeça. O vazio nos seus olhos, vagarosamente cedeu ao grito da vida.
– Se tem que ser assim, murmurou, a mulherzinha do soldado não chorará.
Através das lágrimas um sorriso brincava nos lábios. Em seguida, colocou ambas as mãos em meus ombros, lançando a cabeça para trás como se visse pela primeira vez. Um beijo ardente selou nossos lábios.
No fim da terceira semana, apressadamente arrumei minhas coisas e tomei o ônibus elétrico para o Aeroporto Central. Eu já havia telefonado e descoberto que sempre havia lugares nos aviões da A.M.S. que voavam de Moscou a Berlim. E agora, como eu fizera há mais de um ano, estava no escritório do aeroporto, registrando meu nome na lista de passageiros.
Com dôr no coração, fui ao reservado telefonar a Genia e, ao ouvir sua voz, disse:
– Genia, estou telefonando do aeroporto. Fui chamado urgentemente a Berlim.
– Não minta, ouvia dizer. Mas não estou zangada com você. É pena que não possa dar-me um beijo de despedida...
Eu ia dizer qualquer coisa, mas ela já desligara.
Meia hora depois nosso aeroplano estava no ar. Esta vez o piloto não fez um círculo de adeus, sôbre Moscou. Esta vez não olhei pela janela. E não olhava para o futuro com qualquer sensação de prazer pelo que me aguardava. E tentava não pensar no que ficara atrás.