Gregory Klimov «A máquina do terror»

Capítulo 7. NA COMISSÃO DE CONTRÔLE

I

Uma tarde, o General Shabalin mandou chamar-me. Quando me apresentei, entregou-me um convite do Q.G. americano, pedindo-lhe, e aos seus colaboradores, que parti cipasse numa conferência em Frankfurt – sôbre – o – Main a fim de discutir a liquidação da Indústria I.G. Farben.

– Leve meu carro, ordenou e vá até Zehlendorf. Entregue a lista da nossa delegação e descubra quando parte o avião. Se não houver avião, consiga autorização para usar mos os carros na viagem.

Era cinco e quinze quando cheguei perto do Q.G. americano.

– Bem, agora terei que esperar uma hora para uma entrevista, pensei. E preciso ver o conselheiro econômico de Eisenhower, mas não tenho carta de apresentação, sòmente meus documentos pessoais.

Parei o carro no portão e tirei os documentos. A sentinela americana, de capacête branco, cinto de lona branca e perneiras brancas, ergueu a mão, metida em luva branca, fazendo continência, parecendo estar completamente desinteressado pelos documentos. A fim de desculpar-me por ter parado o carro, fiz-lhe algumas perguntas vazias. Sem falar, indicou-me uma tabuleta com uma seta e uma palavra "informação". Passei vagarosamente pelo Escritório de Informação e olhei para trás, casualmente, para ver se alguém me vigiava.

– Eu mesmo descobrirei o que quero; é uma boa oportunidade de dar uma espiadela sem complicações. Vamos ver que espécie de gente são êsses americanos. Pode ser que não me peguem logo. E, se fôr necessário, direi que havia-me enganado.

Ordenei a Misha que ficasse no carro e não se mexesse. Quem sabe se não serei raptado e eu não perderia a cabeça!

Avancei por um corredor comprido. Todas as portas estavam escancaradas, as salas, vazias. Aqui e ali mulheres alemãs varriam o soalho. Em cada porta havia uma tabuleta comum "Major Fulano de Tal", ou "Coronel Fulano de Tal", e o nome do departamento. Que significava tudo isso? Nem um traço de precauções de segurança. Nós, autoridades soviéticas, não dependurávamos tabuletas com nomes, nas portas, informando os inimigos internos e externos quem estava dentro.

Comecei a sentir certo desconfôrto, uma sensação estranha, ansiedade. Como se tivesse entrado num departamento secreto, acidentalmente, e estivesse com mêdo de ser apanhado. Em busca da sala certa, examinava um nome após outro, sentindo-me como que espiando no cartão de relação de um Estado Maior inimigo. E eu estava vestido em uniforme soviético!

Um dos nossos oficiais havia-me contado que não adiantava visitar um gabinete americano, depois das cinco da tarde.

– Depois dessa hora todos saiam com as garotas alemãs, explicou, e não pude certificar-me se as suas palavras exprimiam desprêzo ou apenas inveja dos métodos americanos. Pensam que quem fica sentado numa sala, depois do expediente, não sabe trabalhar ou distribuir o tempo.

– Tinha razão, pensei eu. Os americanos, sem dúvida não pensam morrer no trabalho. O dia de trabalho do General Shabalin realmente começa às sete da noite. Acho melhor dirigir-me a Informações.

No Escritório de Informações, encontrei dois pretos, extendidos em preguiçosas, os pes sobre a mesa, mascando goma. Tive alguma dificuldade em fazê-los compreender que desejava falar com o General Clay. Sem parar de mascar, um dêles falou algo incompreensível por uma janelinha que dava a uma sala vizinha. Mesmo que eu fôsse o Presidente Truman, o Marachal Stálin ou um diabo chifrudo, duvido que tivesse removido os pés da mesa ou tirado a goma da bochecha direita. Entretanto, o Informações funcionava perfeitamente: um sargento atrás da janelinha disse algo num telefone e, minutos depois, um tenente americano chegava, pedindo, cortêsmente, que o seguisse.

Na sala de espera do General Clay, uma secretária virava as páginas de uma revista.

– Provavelmente também porá os pés na máquina de escrever, pensei, e, prudentemente, sentei-me a uma distância segura.

Enquanto eu pensava se era melhor ficar calado ou entrar em conversa com os "aliados", um soldado baixo, de nariz alongado, saiu pela porta que dava para o gabinete do general. Atravessando a sala de espera, arrancou o gorro sem pala de um cabide, dizendo algumas palavras apressadas à secretária.

– O general deve ser muito exigente, para que os seus homens corram assim, pensei.

Nêsse momento, o soldado estendeu-me a mão e deixou escapar uma torrente de palavras que sobrepuseram o meu fraco conhecimento de inglês.

– General Clay, disse a secretária, em tom explanatório, às minhas costas.

Antes que pudesse recobrar a presença de espírito, o general havia desaparecido novamente. Não era um general, era uma bomba atômica! Tudo que pude compreender foi "Okay"; e a ordem necessária havia sido providenciada. E além do mais, não era fácil dizer a diferença entre um general e um soldado simples. Os soldados esticavam os pés nas mesas, enquanto os generais andavam de um lado a outro, como mensageiros.

Outro oficial apareceu à mesma porta e convidou-me a entrar. Esta vez, prudentemente, olhei as insignias. Outro general! Sem oferecer-me cadeira, mas também sem sentar-se, o general ouviu-me com eficiência fria. Em seguida meneou a cabeça e retirou-se.

Olhei em tôrno da sala. Escrivaninha modesta. Tinteiros modestos. Um grosso maço de jornais. Bastante lápis. Nada superficial. Uma sala de trabalho e não para caçar môscas. Quando foi preciso uma mesa adequada ao pôsto do General Shabalin, todo Karlshorst e tôdas as casas foram viradas ao avesso. Os tinteiros vieram especialmente de Dresden.

Minutos depois o general americano regressou, informando-me, aparentemente após uma conversa telefônica, quando partiria o avião. Posteriormente tive inúmeras oportunidades de ver que, onde as autoridades soviéticas exigiriam um "documento" assinado por três generais, devidamente selado, os americanos achavam suficiente um telefonema.

Não precisei apresentar a lista da delegação soviética. Ali tudo era feito sem o recurso de um serviço de ligação e sem qualquer verificação do Ministério dos Negócios do Interior! O general entregou-me um embrulho de material sôbre a Indústria I.G. Farben, para que nos familiarizássemos com as tarefas da conferência.

Na manhã seguinte, a delegação soviética, composta do General Shabalin, Tenente-Coronel Orlov, Major Kuznetsov, eu, e dois intérpretes, dirigímo-nos ao aeródromo de Tempelhof, onde o sargento de dia explicou que já fôra suficientemente informado a nosso respeito e gastou pouco tempo em telefonar a vários gabinetes. Em seguida, pediu-nos que esperássemos, pois o nosso avião iria partir um pouco mais tarde do que o previsto. Eu tinha a intuição que os americanos estavam atrasando a nossa partida por qualquer motivo. Máquinas deslizavam vagarosamente pela pista, ao longe, mas nenhuma demonstrava a menor intenção de levar-nos. O general praguejou e, como não soubesse em que descarregar a ira, voltou-se para mim.

– Que foi que lhe disseram ontem? Por que não trouxe por escrito?

– Fui claramente informado, respondi; às dez da manhã no aeroporto de Tempelhof. Um avião especial nos esperaria e o comandante foi notificado.

O general segurou as mãos, por detrás das costas, deixou cair a cabeça entre os ombros e pôs-se a marchar de um lado ao outro, na estrada de concreto, fora do edifício, sem dignar-se a olhar-nos mais.

Para passar o tempo, eu e o Major Kuznetsov começamos a inspecionar atentamente o campo de pouso. Não muito longe, um soldado americano, de macacão, lançava-nos olhares inquiridores e amistosos, evidentemente procurando uma desculpa para falar conosco. Um Douglas deslizou até o ponto de partida. Durante a guerra, essas máquinas de transporte haviam sido entregues a União Soviética, em grande quantidade, como parte do programa "de empréstimo e arrendamento", de modo que eram bem conhecidas. O soldado americano sorriu, indicou a máquina e disse:

– S. 47.

Olhei para onde apontava e corrigi-o:

– Douglas.

Êle sacudiu a cabeca e falou:

– Não... não. S. 47. Sikorsky... Construtor russo.

Seria de fato um dos modelos de Igor Sikorsky? pensei eu. Sikorsky fora o pioneiro da aviação russa na primeira guerra mundial e o construtor da primeira máquina de multi-motores, Ilya Mourometz. Sabia que como Boris Seversky, estava trabalhando no campo da aviacão americana, mas não sabia que o Douglas era sua obra. Era interessante que o Pravda não havia entoado hosanas a êsse fato.

O soldado apontou com o dedo para o relógio, depois para o céu. Com a mão imitou a descida de um avião e explicou, enquanto indicava o chão.

– General Eisenhower.

– Bem, se o General Eisenhower está chegando, pensei eu, isso deve explicar por que não partimos.

Enquanto conversávamos com o soldado, uma máquina desceu bem atrás de nós, e um grupo de cavalheiros idosos dela desceu. Como uma horda de crianças, há pouco saida da escola, cercaram o General Shabalin e começaram a apertarlhe a mão, tão entusiasticamente que a gente podia pensar que fôra para isso que haviam voado da América. O general foi vencido pela exuberância e também deu a mão, por sua vez. Mais tarde transpirou que haviam tomado Shabalin pelo General Zhukov. Enquanto isso, o Tenente-Coronel Orlov descobriu que aquêle alegre grupo de pessoas idosas eram senadores americanos, a caminho de Moscou. Murmurou essa notícia ao ouvido do general, mas era muito tarde. Shabalin já havia trocado cumprimentos cordiais com os inimigos declarados da ordem comunista.

Em volta, as máquinas fotográficas funcionavam. Os senadores pareciam achar interessante serem fotografados com o General Shabalin, apertando-lhe as mãos. O general não tinha o menor desejo de ser fotografado nessa companhia comprometedora, mas teve que aparentar boa vontade. Estava convencido que todos êsses retratos iriam parar nos arquivos de algum serviço secreto estrangeiro e daí para os arquivos da Narcomvnudel. E depois, a gordura estaria no fogo.

O Major Kuznetsov perguntou ao Tenente-Coronel Orlov, incrédulo:

– Mas são mesmo senadores?

– Sim, e os piores de todos, a Comissão Política do Senado, replicou Orlov.

– Mas não parecem capitalistas, considerou Kuznetsov, ainda em dúvida.

– Sim, parecem inofensivos, mas têm milhões nos bolsos. São tubarões.

Evidentemente Orlov considerava pecado mortal ter dinheiro nos bolsos, mas era apenas um membro do partido, com argueiro nos olhos.

– Então são os donos da América, e se comportam assim. Se um de nossos ministros...

As reflexões de Kuznetsov foram interrompidas pela chegada de uma coluna de carros fechados que se dirigiu diretamente à pista de aterrisagem. Um grupo de oficiais soviéticos desceu. O galão dourado nos quépis e as orlas vermelhas nas túnicas indicavam serem generais.

– Será que vai haver desfile! murmurou Kuznetsov. É o marechal Zhukov e o seu estado maior. É melhor esconder mo-nos nos arbustos.

O General Shabalin parecia ser da mesma opinião. Não fôra convidado para a reunião e ser um convidado intruso do Marechal Zhukov não parecia ser muito prudente. Mas o seu uniforme de general impedia que se escondesse por detrás dos outros.

Naquele momento de necessidade, os ativos cavalheiros dos Estados Unidos vieram em auxílio. Com "alôs" sem reserva, cumprimentos amistosos e pancadas nas costas, criou-se uma atmosfera de amizade e liberdade.

– Gosto dêsses senadores, comentou Kuznetov entusiasmado. Apertam as mãos como um grupo de vendedores de cavalos num mercado. Que companheiros!

E êle passou a língua pelos lábios como se acabasse de beber juntamente com os senadores americanos.

O Marechal Zhukov, de altura média, homem pesado e com um queixo proeminente, sempre se vestia e se comportava com simplicidade fora do comum. Sem se importar com a confusão em tôrno, parecia aguardar o momento de, finalmente, tocarem em negócios. Ao contrário de muitos generais que deviam sua carreira à guerra, pela sua atitude demonstrava, claramente, ser apenas um soldado. Era característico do homem que, sem qualquer encorajamento da propaganda oficial do Cremlin se tornara conhecido em tôda a Rússia como o segundo Kutuzov, como o salvador da pátria na se gunda grande guerra patriótica.

O aeroporto ficava cada vez mais animado. Fôrças da polícia militar em uniforme de parada desfilaram. O pessoal de serviço corria de um lado ao outro. Uma guarda de honra tomou posição não muito distante de nós.

O Major Kuznetsov olhou os guardas e comentou:

Mansamente um quadri-motor desceu. A multidão de caçadores de autógrafos sofreu uma disilusão: dupla fileira de guardas, ràpidamente separou-os do ponto de descida.

– Bom trabalho! Vejam os degoladores! Devem ter sido tirados diretamente de um bando de gangsters para o exército.

A primeira fileira de polícias militares, certamente era impressionante, com um aspecto sinistro, embora estivessem bem barbeados. A segunda fileira bem poderia constituir-se de pugilistas e vaqueiros, montados não em cavalos, mas em mo tocicletas que faziam mais barulho que os aeroplanos.

Enquanto isso, a guarda de honra começara a executar um exercício extraordinário. Os homens erguiam os braços à altura dos ombros e os abriam como se estivessem fazendo ginástica sueca. Isso, decididamente não era nada militar, segundo nossos regulamentos.

– Faz-me lembrar uma opereta, disse Kuznetsov ao tenente-coronel. Por que fazem assim?

Orlov acenou a mão, com desprêzo.

– Tais senadores, tais soldados! São soldados de chocolate. Se tiverem que comer pão preto, morrem.

– Então o senhor gosta tanto de pão preto? caçoou Kuznetsov e, em seguida, assinou alguns autógrafos, indagando onde podiam lanchar, levando consigo Zhukov.

Nem bem os importantes hóspedes haviam partido e já anunciavam que o nosso avião estava pronto para partir. Agora sabíamos porque tivéramos que esperar tanto tempo.

Um homem, em uniforme americano de general-brigadeiro, dirigiu-se ao General Shabalin num russo puríssimo. Aparentemente fôra informado que íamos a Frankfurt e oferecia os seus serviços. De certo modo, falava melhor russo do que nós. Havia deixado a Rússia há mais de trinta anos, e falava a espécie de russso comum nos velhos círculos aristocráticos. Nossa língua fôra modificada pelas novas condições, estando contaminada de gíria e incluia grande número de neologismos.

Eu não tinha a menor idéia porque Eisenhower e Zhukov estavam voando para a Rússia, pois os jornais soviéticos não traziam nenhum comunicado oficial a respeito. Uma semana mais tarde, quando eu me apresentava ao General Shabalin, como de costume, êle perguntou-me:

– Sabe por que Eisenhower voou a Moscou?

– Provàvelmente para ser hóspede de honra do último desfile, respondi.

– Sabemos ser hospitaleiros, disse o general. Serviramlhe ótimo Vodka que êle cantou a noite inteira, de braço dado com Budionny. Sempre trazem Budionny, para ornamento, nessas ocasiões.

Aparentemente isso era tudo que o general sabia a respeito da visita de Eisenhower a Moscou, mas êle pôs os dedos nos lábios e depois acenou admonitòriamente.

Esses pequenos incidentes revelavam, com clareza, a verdadeira posição do homem que era o chefe da A.M.S. Nada mais era, na verdade, do que um moço de recados e sòmente por acidente sabia o que acontecia "em cima".

II

Um oficial americano entrou na sala do Major Kuznetsov, meteu o gôrro sem pala no bolso traseiro das calças e depois levou a mão à cabeça, em continência. Depois disso, apresen tou-se no russo mais perfeito:

– John Yablokov, capitão do Exército Americano.

Kuznetsov era um homem muito inteligente, mas também humorista e um pouco travesso e replicou ao americano com:

– Meus cumprimentos, Ivan Ivanovich! Como vai?

O americano Ivan Ivanovich não parecia ser um recruta e não permitiu que o sorriso motejador do major o desarmasse. Realmente, mais tarde transpirou que John Yablokov era um dos homens que eram a vida e alma do partido. Quer fôsse para agradar-nos ou para mostrar que, embora americano, era progressista, alegrou nossos ouvidos com uma torrente de imprecações russas que teriam podido derrubar o Empire State Building. Mas isso foi posteriormente. No momento, o Capitão Yablokov havia vindo em visita oficial para convidar o General Shabalin para a primeira conferência de organização do Diretório Econômico da Comissão de Contrôle. O general amassou o convite e a agenda (em inglês) com os dedos. Tentando não revelar que o inglês era-lhe grego, perguntou:

– Bem, diga as novidades, a seu modo.

Um segundo oficial americano, que havia acompanhado o capitão Yablokov respondeu também em russo:

– Nosso chefe, o General Draper, têm a honra de con vidá-lo para uma... (Parecia não conhecer muito bem a ter minologia das conferências vermelhas, e foi forçado a voltar as palavras do convite)... para uma reunião, General.

Dias depois, fomos a primeira reunião da Comissão de Contrôle, com a firme intenção de trabalhar e não fazer reunião. A Comissão Aliada de Contrôle havia ocupado o então Palácio da Justiça em Elsholzstrasse. A sala de conferência estava quase vazia, e as delegações começavam a reunir-se. Senti-me verdadeiramente temeroso de expor-me ao ridículo, pois não havia intérprete conosco e eu não conhecia muito bem o inglês. Quando mencionei isso ao general êle respondeu-me secamente:

– Devia saber!

Outro lema do Partido, mas não tornava as coisas mais fáceis para mim. Até que a reunião fôsse oficialmente aberta, utilizámo-nos do alemão, pois todos os aliados, sem exceção, falavam mais ou menos essa língua.

Quando o general percebeu que eu conversava com os colegas franceses e ingleses, gritou-me, ao passar por perto:

– Espere major, que vou curá-lo da falsa modéstia! Você e o seu "não sei inglês". Agora está conversando abertamente com os franceses, mas nunca me disse que falava francês.

Era inútil tentar explicar. Provavelmente o general me mandaria a um canto para fiscalizar os intérpretes franceses, também como já o fizera com os americanos.

Isso também era resultado da experiência do Partido do general. É coisa comum na União Soviética que os especialistas e técnicos evitem postos de responsabilidade. Engenheiros competentes e antigos diretores de grandes monopólios e firmas, são nomeados "gerente técnicos" de fábricas pequenas ou cooperativa de feridos de guerra, que empregam apenas cinco ou seis operários. Nessa posição estão menos expostos aos riscos de serem atirados por detrás das barras, como sabotadores, de modo que mantêm segrêdo sôbre os seus diplomas e habilidades. Os funcionários do Partido têm conhecimento dêsses estratagemas e fazem o que podem para convocar os "pretendentes". Dessa maneira, se se tentar fugir à responsabilidade está-se errado: a pessoa é um "sabotador passivo".

Suspirei aliviado quando descobri que as delegações americana e inglesa possuiam intérpretes de primeira qualidade.

Outro problema difícil era o meu uniforme. Parecia que eu havia coberto a distância de Stalingrado a Berlim arrastando-me sôbre a barriga. O uniforme havia sido lavado em todos rios da Rússia e da Europa Oriental, de modo que a côr havia desbotado completamente; além disso, usava botas militares comuns. Antes de nos dirigirmos a conferência, o General Shabalin deitou-me um olhar crítico, de alto a baixo e repreendeu:

– Não tem roupas mais andrajosas do que as que usa?

Êle sabia muito bem que eu havia deixado os meus uniformes bons, em Moscou, como reserva de ferro. Muitos de nós tinham a idéia que, afinal de contas, o exército não era teatro de bonecos e, de qualquer forma, na Rússia, crianças andavam nuas. Um tinha uma irmanzinha; outro, um sobrinho pequeno. Roupas quentes ou calças podiam ser feitas de uniforme e as crianças ficariam muito satisfeitas.

– Tio Gregory combateu nêste uniforme, diria a criança, apontando os buracos deixados pelos alfinetes das condecorações. Eu, também deixara vários uniformes completos em Moscou.

De qualquer modo, quando chegasse a Berlim, eu iria receber o chamado "equipamento estrangeiro". Entretanto, esqueci-me da possibilidade de ter que participar de conferências da Comissão de Contrôle, antes de chegar o novo equipamento.

Com o progredir da organização e atividades da Admi nistração da Economia, mais homens chegavam de Moscou, para trabalhar conosco. Geralmente, representantes dos Comissários do Povo, para os respectivos comissariados de Moscou, eram designados para chefes dos departamentos da A.M.S., que, na prática, funcionava como os ministérios da zona soviética. Eram êsses homens antigos funcionários do Partido, especialistas nos negócios econômicos soviéticos. Quando assumiam os novos postos, não se podia deixar de rir: eram autênticos cruzados do comunismo.

Com o correr do tempo, alegramo-nos com a vista do novo chefe do Departamento Industrial, Alexandrov e o seu assistente, Smirnov. Ambos usavam botas de cano longo, barulhentas, modêlo de Stálin, que o seu criador há muito tempo não punha. Dentro das botas estavam enfiadas as pernas dos culotes de tecido pesado, e, para coroar tudo, vestiam túnicas militares, azul-escuro, datando do período do comunismo revolucionário. Naquele tempo essas roupas estiveram muito em moda entre os funcionários do Partido, desde o representante local das Estações de Máquinas e Tratores até os Comissários do Povo, pois eram símbolos, externos e internos da devoção ao líder. Já há muito tempo que os Comissários do Povo usavam roupas européias comuns, e sòmente se encontrava o antigo garbo principalmente nas afastadas fazendas celetivas. Posso imaginar a impressão que êsses espantalhos causavam nos alemães, pois eram cópias exatas das caricaturas hitleristas dos bolcheviques.

A sessão da Comissão de Contrôle começou, pontualmente, às dez horas. Após assentar os pormenores da agenda referente ao trabalho do Diretório Econômico, o tempo da reunião, a rotação da presidência, passámos a organizar a agenda da próxima conferência. O chefe da delegação americana, que era o presidente da primeira reunião, propôs que o primeiro item da agenda fôsse "Delineamento da política básica da desmilitarização econômica da Alemanha".

A Conferência de Potsdam havia terminado na semana anterior, onde se decidira desmilitarizar econômicamente a Alemanha, para que fosse impossível a restauração do poder militar alemão e delinear um potencial econômico pacífico para o país. A decisão foi remetida à Comissão de Contrôle para ser posta em execução.

Sempre se dizia nas esferas econômicas da A.M.S. que o Cremlin considerava as decisões da Conferência de Potsdam como uma grande vitória da diplomacia soviética. As instruções de Moscou, em tôdas as oportunidades, chamavam a atenção para o fato. Na Conferência de Potsdam os diplomatas Soviéticos obtiveram concessões dos Aliados Ocidentais, de tal monta, que êles mesmo se surpreenderam. Talvez isso fôsse resultado da embriaguez da vitória e de um nobre desejo de recompensar a Rússia pelos esforços enormes e incrísacrifícios. E talvez isso fôsse devido à circunstância de que dois novos representante aliados tomassem parte na conferência e que o Presidente Truman e Mr. Attlee ainda não conhecessem profundamente os métodos da diplomacia soviética.

O acordo de Potsdam, pràticamente, concedeu à União Soviética o direito de domínio da Alemanha. Seus têrmos fôram expressos numa linguagem muito sutil, e permitiam várias construções, posteriormente, sempre que necessário, A tarefa atual da A.M.S. era tirar o máximo das vantagens conquistadas pela diplomacia soviética. "Nada de política", defendeu-se o General Shabalin como um urso ameaçado por um javali. E, com tôda probalidade estava pensando "Querem mandar-me para a Sibéria?". Mais uma vez a antiga reação mesmo dos funcionários soviéticos mais altos, isto é, nada fazer sob a própria responsabailidade e risco. Essa era uma razão por que tôdas as decisões eram feitas de "cima".

Subsequentemente, eu mesmo vi que a delegação americana ou a inglesa podia alterar suas decisões no curso das negociações. A delegação soviética, entretanto, sempre vinha e saía com as decisões prèviamente formuladas, ou então com pontos de interrogação vermelhos no documento que o general guardava numa pasta vermelha sempre debaixo do braço. No Conselho do Contrôle êle sempre agia mais como um mensageiro do que um sócio ativo. Uma questão surgida no curso da discussão nunca era decidida no mesmo dia, sendo apenas discutida. Então o general voltava ao gabinete e, naquela noite, entrava em contacto telefônico direto com Moscou. Geralmente, Mikoyan, membro do Politburo e plenipotenciário extraordinário do Conselho Ministerial da U.R.S.S., para a Alemanha, estava em Moscou no outro lado da linha. Realmente era o vice-rei do Cremlin da Alemanha. Durante essas conversas telefônicas, tomavam-se as decisões, ou melhor, davam-se ordens, contra as quais, mais tarde, as delegações aliadas quebravam os dentes.

Mesmo no primeiro encontro com os aliados, não se podia deixar de observar a grande diferença entre êles e nós. Eramos recebidos como vitoriosos comuns e aliados sinceros na guerra e na paz. Cada uma das suas delegaçoes atacavam as questões sob o aspecto nacional e consideravam que não poaeria haver conflito de interêsses nacionais ou antagonismo entre nós, potências vitoriosas, nem, agora, nem em futuro próximo. Juigavam que era um simples fato que deveria ser tao ciaro para nós como para êles.

Nos, de outro lado, considerávamos os "aliados" como parte contrária, como inimigos com os quais tínhamos que sentar na mesma mesa apenas por motivos táticos. Resolviamos as coisas pelo aspecto ideológico. O aliados acreditavam que Marx e Lenine estavam morcos, mas agora as sombras aêsses dois homens jaziam entre nós, na sala de conferência da Comissão de Contrôle. Os aliados não podiam compreender isso? Pior para êles!

De modo geral, os membros das delegações não somente representavam os interêsses dos seus paises, mas também eram representantes extraordinàriamente típicos das suas nações. Claro que isso não quer dizer que Dimitry Shabalin fumava o cigarro vagabundo Mahorka Russo, ou que Wiliam Draper mascasse goma. Não, de modo algum, nas sessões.

A delegação americana era chefiada pelo diretor americano da Diretoria Econômica, o General William Draper, uma figura atlética, esguia, de traços angulares um homem ativo e enérgico. Quando ria, exibia os fortes e imaculados dentes de lobo, sob o bigode preto. Era melhor não colocar os dedos entre os dentes! Mesmo quando não estava na presidência impunha ordem na sessão. Possuia a abundância da energia sadia e peculiar às jovens nações auto-confiantes. Não sei quantos milhões o General Draper tinha, de fato, nos bolsos, mas sei apenas que o general Shabalin disse-me, mais de uma vez:

– Ah! Um milionário! Um tubarão!

Teria sido interessante saber no que baseava êle suas observações: na sua crença comunista ou nas informações do nosso serviço secreto.

O chefe da delegação britânica e o diretor inglês da Diretoria Econômica era Sir Percy Mills, um bretão típico, exalando nevoeiro e a Praça Trafalgar. Usava uniforme militar de tecido grosso, sem nenhuma insignia. Pela maneira com que todos aceitavam a sua opinião, era evidente ser reconhecido como autoridade no campo econômico. Segundo o General Shabalin era diretor da grande firma inglesa Metro-Vickers. Estava sempre barbeado e se achasse necessário sorrir, sòmente as dobras em torno da boca se moviam, enquanto os olhos continuavam fixos nos documentos e os ouvidos escutavam atentamente os numerosos conselheiros.

Na pessoa de Sir Percy Mills, a Grã-Bretanha trabalhava afincadamente, mas sempre dava atenção à voz da sua jovem aliada e vitoriosa rival, a América.

Na mesa de conferência da Comissão de Contrôle, as alterações históricas, que haviam ocorrido na iniluência mundial das várias grandes potências, eram bastante perceptíveis. A Grã-Bretanha havia desempenhado o seu papel e agora, com o orgulho da auto-confiança, cedia lugar ao mais jovem e mais forte, como era próprio de um cavalheiro.

A França era o reflexo de toda a grandeza encontrada na cultura européia, mas apenas reflexo. Seus representantes eram sucessores de Bonaparte e Voltaire, os contemporâneos de Pierre Pétain e Jean-Paul Sartre. Existencialismo. Como manter a cabeça fora d'água. O diretor francês da Diretoria Econômica, o General Sergent, nada de melhor tinha a fazer do que manobrar o mais cuidadosamente possível, sem concordar muito com o Ocidente e sem se opor demasiado ao Oriente.

O grande Aliado Oriental era representado pelo General Shabalin, um homem que tinha terror mortal da palavra "politik", e pelo Major Klimov, que, simultâneamente, acumulava os deveres de secretário, intérprete e conselheiro geral. O lado soviético poderia ter sido representado, com o mesmo sucesso, por um homem agindo como carteiro. Entretanto, naqueles dias, eu ainda acreditava, ingênuamente, que alguma coisa estava sendo resolvida naquelas conferências. Embora estivéssemos armados até os dentes com a teoria comunista, sentia-me incomodado ao ver o tamanho das outras delegações e a qualidade dos homens que as compunham.

"Nada de novo no Ocidente". Os aliados, como uma só pessoa, mantiveram a palavra "policy", enquanto, por três horas, o General Shabalin repetia: "Nada de politik... Na Conferência de Potsdam...". Em confirmação do seu ponto de vista, retirou um jornal da sua pasta e indicou uma passagem sublinhada de vermelho. Em seguida, os outros da comissão também tiraram jornais e começaram a comparar o texto. Na verdade, era muito interessante participar de uma sessão da Comissão de Contrôle; era mais interessante do que uma opereta. Mas participar delas, semana após semana era perigoso, pois, com muita facilidade alguém poderia ter um esgotamento. Metade de um dia gasto na luta por causa de uma palavra na agenda da próxima reunião!

Os membros das outras delegações começaram a consultar mais frequentemente os relógios. O estômago dos europeus ocidentais estão habituados à pontualidade. Afinal, até General Shabalin perdeu a paciência e exigiu oficialmente.

– Que desejam de mim? Forçar-me? É isso?

Os intèrpretes duvidaram terem escutado e, irresolutamente, perguntaram, sem saber se o que se ouvira era uma pilhéria:

– Devemos traduzir literalmente?

– Claro que literalmente, replicou obstinadamente o general.

Sir Percy Mills tentou indicar que achava isso muito divertido e torceu os lábios num sorriso. O presidente da sessão, o General Draper, ergueu-se, dizendo:

– Proponho suspender a sessão. Vamos comer alguma coisa.

Era difícil dizer se, de fato estava faminto ou se já estava enjoado da diplomacia soviética. Todos respiraram mais levemente e a reunião terminou.

Partimos como vitoriosos. Havíamos ganho uma semana inteira. Naquela mesma noite o General Shabalin poderia perguntar ao Camarada Mikoyan se a palavra "politik" poderia ser incluida na agenda.

Enqunto estávamos na reunião, a Comissão Especial de Demolição e o Departamento de Reparação, com o General Zorin à testa, trabalharam ativamente. Os aliados enfrentariam um fato acabado. Muito bem! Em último recurso, cada um defende os seus próprios interêsses.

III

Naqueles primeiros encontros com o Aliados Ocidentais, ficava sèriamente temeroso de me perguntarem muitas coisas que eu não podia, ou melhor, não ousava responder. Mas, quanto mais trabalhava na Comissão de Contrôle, menos compreendia o seu comportamento. Os representantes do mundo democrático não somente não tentavam fazer-nos perguntas políticas, o que eu era levado a crer quando representantes de sistemas estatais completamente diferentes se reuniam, mas demonstravam completa indiferença ao assunto.

A princípio julguei que isso fôsse apenas tacto, mas, depois, tive a certeza que o motivo era outro. O homem comum ocidental está muito menos interessado em política e em tôdas as suas implicações, do que o soviético comum. Os homens do Ocidente estavam muito mais interessados no número de garrafas de champagne que havia sido bebidas numa recepção diplomática no Cremlin e no vestido de noite da Madame Molotov, na ocasião. Isso, no melhor dos casos, mas, geralmente, limitavam o interesse no esporte e nas garotas maravilhosas das capas das revistas. A qualquer pessoa, vivendo em condições normais, isso parecia perfeitamente natural. Se os homens soviéticos pudessem escolher, teriam feito o mesmo.

Nessa fase, o Ocidente não tinha idéia da extraordinária dicotomia da existência soviética. Em trinta anos havíamo-nos transformado fundamentalmente, sendo sovietizados até certo ponto, mas, enquanto nos sovietizámos, simultâneamente nos tornávamos imunizados contra o comunismo. O Ocidente não suspeita disso. É com muita razão que o Politburo começou a reforçar o edifício soviético, com as antigas fundações nacionais, que provaram bem durante a guerra. Após esta, o processo de fazer transfusão de sangue ao apodrecido organismo estatal continuou. O método, sem dúvida, obterá sucesso, por certo tempo, pois confundirá alguns e iludirá as esperanças de outros. Mas os planos do Cremlin não serão modificado de forma alguma.

Eis um exemplo pequeno e característico: na Alemanha ocupada todos os soldados e oficiais russos, repentinamente, começaram a usar a palavra "Rossiia" – Rússia. O movimento foi espontâneo. Uma vez ou outra, por força de hábito, deixava-se escapar "U.R.S.S.", o que era corrigido, imediatamente, por "Rossiia". Nós mesmo ficávamos surpresos com êste fato, mas assim era. Contudo, durante vinte anos, quem usasse a palavra "Rossiia" poderia ser acusado de chauvinismo e muito possivelmente seria condenado pelo respectivo artigo do código da Narcomvnudel. Não se podia deixar de notar êsse aparente pequeno detalhe, quando se ouvia a palavra "Rossiia" provinda dos lábios de todos os soldados. Inconscientemente estavam êles mostrando a diferença entre os conceitos "Soviético" e "Russo". Apesar disso, a imprensa estrangeira confundia êsses conceitos. O que não podíamos suportar, chamavam "russo" e tudo o que nos era precioso e querido, descreviam como "soviétivo". O povo russo nem deseja, nem precisa ensinar aos estrangeiros o seu ABC político. Por que arriscar a cabeça apenas para satisfazer a curiosidade vagabunda de um estrangeiro?

Como o povo soviético fica constrangido com os "estrangeiros" é mostrado pelo seguinte incidente:

Um dia, durante um intervalo das sessões da Comissão de Contrôle, vários membros das diversas delegações estavam discutindo o que gostariam de fazer no domingo seguinte. Kozlov, o presidente da delegação soviética na Comissão Industrial, deixou escapar a imprudente admissão que ia caçar com um grupo de colegas. Os companheiros estrangeiros de Kozlov entusiasmaram-se com a idéia de passar juntos um domingo e disseram que gostariam de fazer parte do grupo. Kozlov teve que se comportar como se estivesse extremamente satisfeito.

Nosso trabalho na Comissão de Contrôle era muito instrutivo. Desde as primeiras conferências compreendi que o ponto de vista, largamente aceito, que a vida de diplomata é fácil e livre de cuidados é falsa. Na realidade, é uma ocupação diabólicamente dura, ou mesmo tediosa. É preciso ter-se o costado de um hipopótamo, a sensibilidade de um antilope, nervos de corda de manila e a perseverança de um caçador. Diz um provérbio inglês que a melhor demonstração de boas maneiras é ficar-se enfadado, até a morte, sem que se deixe perceber. Agora o General Shaablin apresentava aos seus colegas extensas oportunidades de demonstrar a verdade dessa observação. Era de admirar que pessoas tão sérias, pudessem discutir, durante horas e dias, um problema insolúvel, antes de admitir que era insolúvel!

A seleção dos diplomatas ingleses era feita segundo o princípio que o candidato menos adequado é o enérgico e tolo; o enérgico e inteligente não é muito adequado de todos é o inteligente e passivo. Os ingleses preferem chegar, vagarosamente, à conclusão exata, nada mais temendo do que decisões precipitadas e levianas.

A mesma regra aplica-se aos diplomatas soviéticos, ape nas no reverso. O diplomata soviético ideal deve ser excepcionalmente enérgico e excepcionalmente estúpido. Não precisa ter inteligência, já que não pode tomar decisões independentes, em caso algum. De outro lado, energia é uma qualidade necessária a todo viajante comercial, seja para vender lâminas de barbear ou a política do chefe. O General Shabalin era o maior exemplo dêste tipo de diplomata soviético. Quanto a êste aspecto, todos os diplomatas soviéticos se distinguem pela atividade extensa. O Cremlin pode ser acusado de tudo, menos de passividade.

Nossos primeiros encontros na Comissão de Contrôle foram muito educativos. A despeito da minha atitude cética com relação à política das potências ocidentais, não podia deixar de chegar à convicção que estavam realmente ansiosos em trabalhar juntamente conosco na solução dos problemas de após-guerra. A criação da Organização das Nações Unidas provava o desejo das democracias ocidentais em assegurar a paz mundial. Exteriormente, nós, também, demonstrámos o mesmo interêsse na mesma coisa e que desejávamos seguir o mesmo caminho, mas as primeiras medidas propostas indicaram que a verdade era o contrário. Nossa disposição em colaborar no problema da paz mundial nada mais era do que uma manobra tática com o objetivo de manter a máscara democrática, ganhando tempo para a reorganização das nossas fôrças explorar a plataforma democrática para sabotar a opinião pública mundial. As primeiras sessões da Comissão de Contrôle abriram-me os olhos para isso tudo.

Lembrei-me da observação de Anna Petrovna, que me surpreendera, quando estava em Moscou. Por suas palavras sòmente podia deduzir que o Cremlin pensava em operações ativas para as fôrças combatentes soviéticas no período de após-guerra. Contudo, parecia absurdo pensar em qualquer espécie de planos guerreiros, quando haviámos terminado com batalhas terríveis e o mundo inteiro desejava nada mais urgente e apaixonadamente do que a paz. Agora, depois das primeiras sessões da Comissão de Contrôle era claro, pelo menos a mim, que não era nem diplomata, nem político, que o Cremlin não tinha o mais remoto desejo de colaborar com o Ocidente democrático.


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